sábado, 17 de janeiro de 2009

o Largo da Bica - O início do Primitivo Aglomerado Urbano

Paraibuna
por Célio de Abreu


Os documentos mais antigos até agora encontrados de toda a área denominada Largo da Quitanda, abrangem as popularmente conhecidas rua da Bica, - rua Pe. Antônio Pires do Prado – e rua Dr. João Fonseca de Camargo e rua Oscar Thompson e estão descritas no arrolamento do espólio da viúva do Capitão Manoel Correia de Mesquita.

Ela, Dona Anna Joaquina de Sousa Mesquita falecida no ano de 1871 e posteriormente consta no inventário de seu marido em 1878 ( 1 ).

Este quinhão de terras teriam pertencido anteriormente em sua integridade, ao então Padre Valério de Ferreira Alvarenga, que aqui já residia em 1815 ( 2 ), quando adquiriu a Fazenda do Rio Claro, importante chefe político local, foi Deputado Provincial e membro do Conselho de Pedro I. ( 3 ).

Esta localidade era conhecida como “rossio” ou chácara do Padre Valério ( 4 ) que tinha residência na praça da Matriz no ano de 1842 ( 5 ) sendo que este “rossio” compreendia uma área muito maior do que a que se apresenta atualmente o Parque Ecológico Municipal.

Logo, o beco da Bica está estritamente ligada ao início do núcleo urbano do então povoado do Paraibuna, tão logo tivesse sido iniciado a distribuição de Cartas de Sesmarias ( 6 ) a moradores principalmente de São Sebastião, Taubaté e principalmente de Jacareí, a qual estava juridicamente anexada.

Mas o caminho que ligava São Paulo de Piratininga ao Rio de Janeiro, já cortava estas terras muitos anos antes ( 7 ) acompanhando as antigas trilhas dos índios, trilha esta, que seria utilizada durante quase todo período cafeeiro no século XIX.

A desanexação da então Santo Antônio da Barra do Parahybvna, só se daria em julho de 1832, mas não sem antes causar muitos impasses ( 8 ) entre a velha Vila de Nossa Senhora da Conceição de Jacareí e a nova Vila de Santo Antônio, embates que estavam ligados à questão comercial, já que a elevação de Paraibuna a condição de Vila, interferia diretamente na ligação de Jacareí com os portos do litoral.

O tráfego, portanto, passava pelas novas terras, sendo que, obedecendo à marcha estradeira de 4 léguas, as tropas de muares, em algum lugar teria que “fazer paragem” em um pouso seguro, com abundância água, roças de milho para tropa e tropeiros, local fechado para “currar” os animais ( 9 ) e rancho coberto.

Podemos apontar neste exato lugar o início do primitivo aglomerado urbano, justamente nesta região que tinha no Largo da Bica, o ponto principal, pois era, e é a água, que provê a vida de homens e animais, sendo portanto o local desta fonte, popularmente denominada Bica, conjuntamente com o Mercado, a Igreja da Matriz, a Igreja do Rosário e o Cemitério, os cinco principais marcos históricos desta cidade.

Nesta localidade, que outrora foi à porta de entrada da cidade (...) um terreno (...) na frente a Cidade, sito, na rua da bica ”, (10) foram se estabelecendo as principais casas de comércio, vendas, armazéns de secos e molhados, ambulantes, comerciantes de excedentes, negociantes, vendedores, bares, pousadas e pastos de aluguel.

Embora não existam mais tais pastos de aluguel, as famosas pensões ou pousadas, ainda se apresenta preservada na rua Dr. João Fonseca, na esquina do beco da Bica.

Uma destas antigas construções serviram em tempos remotos como pousadas, sabe-se disto atravéz de história oral, contada por membros de um de seus antigos proprietários.

Este conjunto de prédios já existia na virada do século retrasado e felizmente ainda se encontram preservadas quase todas as suas características originais.

O madeirame, as divisórias, o mobiliário, bem como sua estrutura interna e externa, representando com isto um raríssimo exemplar da arquitetura roceira paulista ( 11 ).

A denominação da rua da Bica vem mudando a mais de cem anos; rua da quitanda, no século XIX, rua 15 de novembro no início do século XX, ou a atual Pe. Antônio Pires do Prado.

Talvez não mais como quando Paraibuna era mais conhecida como “o celeiro do Vale”, mas ainda sim, para esta região que se dirigem semanalmente os mais diferente cidadãos com os mais diferentes propósitos.

Podemos notar, neste resumido histórico, mesmo com um relato preliminar, a importância deste local para a memória histórica da população paraibunense, não só com relação à identificação que os cidadãos preservam deste Largo, mas também devido à importância que se apresenta como o mais movimentado centro financeiro da cidade (12).

As histórias do passado e do presente se entrelaçam continuamente, proporcionando aos visitantes um pouco ainda da atmosfera caipira da cidade, onde ainda se encontram produtos artesanais dos mais diversos.

Tal localidade nos remete as antigas práticas comerciais do tempo dos tropeiros, que traziam divisas, notícias, utensílios diversos e viajantes, promovendo o intercâmbio com as cidades do litoral norte, do vale do Paraíba e sul de Minas.

Portanto a preservação da memória comercial está contida instintivamente no imaginário coletivo do paraibunense, acrescentando-se ainda, o Largo do Mercado Municipal (13) que vem contribuindo ainda hoje, com a mais expressiva manifestação cultural da cidade.

Notas:

(1) Além de muitas terras da Fazenda Conceição (...) bens móveis e de raiz (...) uma morada de caza nesta cidade, sito a rua da Bica, com terreno contíguo (...) e que foi visto e avalliado por 500$000 mil réis” (...) outro terreno cercado de taipa (...) na rua da Bica pelo lado de sima que foi visto e avalliado por 200$000 mil réis”.

Em petição nas fls.100 / 101, o coherdeiro, filho do citado, João Correia de Sousa Mesquita requer o terreno da rua da Quitanda com o pasto adjunto, mais o escravo Valentino e o terreno da Bica, bens de sua falecida mãe Anna Joaquina, datado em 24 de julho de 1871.

Com o falecimento do Cap. Manoel Correia de Mesquita, deixa a seus herdeiros além de outros bens (...) hum terreno no Largo da Quitanda, dividindo pelo lado de cima com terrenos da Câmara Municipal.” Inventário do Cap. Manoel Correia de Mesquita, Cartório de 1º Ofício da Comarca de São Sebastião maço nº 1, in “ Os Mesquitas de Paraibuna “ Wanda Mello de Hollanda, Ed. World Paper, Sorocaba SP, 2004.

(2) Livro de Assentos de Óbitos da Freguesia de Santo Antônio de Parahybuna, Cúria Diocesana, São Dimas, São José dos Campos SP.

(3) Apontamentos para a Província de São Paulo Tomo I, Eufrázio de Azevedo Marques,1886 / A Posição política de Paraibuna durante a Revolução Liberal; Célio A. Freire Jr., Jornal, “O Paraibunense”, nº 17, 1998.

(4) Almanack de Paraibuna, Francisco Campos, Tipografia Parahybuna, 1909.

(5) Parahybuna e o Centenário de sua Autonomia Administrativa, João Caldeira Netto, Ed. Cruzeiro do Sul, !932.

(6) Repertório de Sesmarias, Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, 1998.

(7) Morte e vida do tropeiro, Aluízio de Almeida, Ed. Cruzeiro do Sul, Sorocaba, 1975.

(8) Jacareí e as questões controvertidas, Benedicto Sérgio Lencioni, Ed. Santuário, 1996.

(9) Morte e vida do tropeiro, op. cit.

(10) Inventário do Cap. Manoel Correia de Mesquita, op. cit.

(11) Morada Paulista, Luís Saia, Coleção Debates, Editora Contexto, São Paulo, 1994.

(12) Além de centenas de residências, a área que compreende o Largo do Mercado e o contíguo Largo da Bica encontram-se os seguintes estabelecimentos:

padarias 2,
farmácias 1,
dentistas 5,
secos e molhados 15,
restaurantes 5,
loja roupas 4,
loja tintas 2,
bicicletarias 1,
produtos agropecuários 2,
supermercado 1,
imobiliária 1,
loja de ferragens 2,
salão de beleza 2
eletrodomésticos 1,
brechó de móveis 1

Foto: Nelson Wisnik

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